Este mês comemora-se os oitenta anos do anúncio da descoberta da penicilina por Alexandre Fleming. Esta substância, produzida pelo Penicillium notatum, passou a ser usada para fins terapêuticos a partir de 1941. E não demorou a chegar à terra Lusa. Três anos e alguns meses após esta data, Miguel Torga relata a primeira vez que o aplicou:
“Penicilina. Lá ensaiei também a última panaceia que a ciência inventou. Um miúdo a arder em febre, o pus a estalar-lhe pelos ouvidos, e dores medonhas. Dantes deitavam-lhe sobre a membrana do tímpano leite de parida, e era a cura radical. Agora, penicilina. Quando a fui buscar a casa de um doente onde havia sobrado, o pai do enfermo não queria largar mão do tesoiro. Tinha ali um talismã de saúde, e não o vendia nem emprestava por preço algum. Estava bêbado, e talvez por isso acreditava com uma força sobrenatural na magia da droga. A mulher, mais calma, interveio então, e lá me deram o santo viático. Em casa do meu doente esperavam a mexinga com orações. E eu injectei aquilo ao mesmo tempo humilhado e contrito. Por um lado, sabia que o fungo havia de ser ridículo daqui a cinquenta anos; por outro, era o máximo que o esforço, a inteligência e a esperança da humanidade tinham conseguido até hoje.”
Miguel Torga, Diário III: 1-2-1945
“Penicilina. Lá ensaiei também a última panaceia que a ciência inventou. Um miúdo a arder em febre, o pus a estalar-lhe pelos ouvidos, e dores medonhas. Dantes deitavam-lhe sobre a membrana do tímpano leite de parida, e era a cura radical. Agora, penicilina. Quando a fui buscar a casa de um doente onde havia sobrado, o pai do enfermo não queria largar mão do tesoiro. Tinha ali um talismã de saúde, e não o vendia nem emprestava por preço algum. Estava bêbado, e talvez por isso acreditava com uma força sobrenatural na magia da droga. A mulher, mais calma, interveio então, e lá me deram o santo viático. Em casa do meu doente esperavam a mexinga com orações. E eu injectei aquilo ao mesmo tempo humilhado e contrito. Por um lado, sabia que o fungo havia de ser ridículo daqui a cinquenta anos; por outro, era o máximo que o esforço, a inteligência e a esperança da humanidade tinham conseguido até hoje.”
Miguel Torga, Diário III: 1-2-1945
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