sábado, 11 de outubro de 2008

Lepra: "a palavra reveladora" I

“Estava fraco e maltrapilho. Mas, com as fracas forças e a fraca roupa, lá se arrastou a Sanfins e bateu à porta do doutor, que o atendeu da janela.
– Queria consultar vossa senhoria…
– Muito bem, desço já.
Antes mesmo de se queixar, leu a sentença nos olhos arregalados e perscrutadores do médico.
– Donde é você?
– De Loivos.
– É curioso que nunca lá vi casos destes…Há quanto tempo isto lhe apareceu?
– Sempre é lepra?
O médico olhou-o, coçou a cabeça, pôs-se a mexer nos papéis da mesa, e acabou por dizer a triste verdade.
– Pois é. É…Infelizmente, é.
Nem falaram de remédios, nem de hospital, nem de nada. Despediram-se o mais tristemente possível, sem o doente perguntar quanto devia e sem o médico indicar o que era conveniente fazer. Ambos se resignavam sem luta àquela fatalidade monstruosa. O doutor ficava com o nome miraculoso e a sabedoria inútil; o gafado ia mostrar ao mundo, de mão estendida, a sua repugnante desgraça.”

Miguel Torga (2003) Novos Contos da Montanha. 5.ª Edição. Lisboa: Publicações Dom Quixote, pp.67-8 [conto: O Leproso]

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